A ONISCIÊNCIA DIVINA

21/04/2012 03:06

       Um amigo nosso, certa feita, colocou a seguinte questão:

 

     - “Gostaria de fazer uma pergunta: houve um acidente aqui no Ceará (a cidade  onde morava) e morreu uma mulher grávida. Por que esse bebê nem chegou a nascer?”. 

 

Confesso que fiquei surpreso com a pergunta. Geralmente o que se ouve é outro questionamento semelhante: a criança nasce, mas em muitos casos não “vive” muito tempo. Por quê? Todavia para o acontecimento em vista citado por nosso amigo e que sabemos não ser tão incomum, a criança nem chegou a nascer!

 

A doutrina Espírita ofereceria uma resposta satisfatória?

 

Em busca de uma resposta, façamos um pequeno ensaio.

 

Quando queremos "sair pela tangente" em face de um problemão como esse, costumamos responder: "tal evento está nos arcanos de Deus e não temos condições evolutivas no atual nível em que nos encontramos para uma resposta definitiva. Não temos condições de acesso a uma resposta precisa".

 

Entretanto, pesquisando os possíveis paralelos entre as implicações filosóficas da Ciência Moderna e os postulados espíritas no seu aspecto cientifico, partindo de novos modelos explicativos, particularmente os da Física Moderna (Física quântica e Relatividade), somos tentados a responder da maneira como irei explanar daqui em diante.

 

É sabido que o físico procura "pensar" o Universo no seu todo. É uma visão particular de ver o todo e de generalizar, ou em outras palavras, de unificar.

 

O Codificador parece-me, não pensava diferente. Senão vejamos.

 

No livro “A Gênese, os milagres e as predições segundo o Espiritismo”, publicado em 1868, Kardec no frontispício da obra escreve uma frase fascinante: "Para Deus, o passado e o futuro são o presente".

 

Existe algo mais poético para dar-nos uma visão da onisciência do Criador? Ou teria Kardec partilhado das ideias do físico Pierre Simon Laplace (1749-1827)?

 

Laplace, em 1814, refere-se, em um ensaio sobre probabilidades, a uma ideia que se tornaria base de partida para todos os debates futuros sobre o caos, o acaso e o determinismo. Tratava-se do "demônio de Laplace", entidade que poderia ter pleno conhecimento sobre todos os fatos. Segundo ele,

 

“devemos, portanto, ver o estado presente do universo como o efeito de seu estado anterior, e como a causa daquele que virá. Uma inteligência que, em qualquer instante dado, soubesse todas as forças pelas quais o mundo natural se move e a posição de cada uma de suas partes componentes, e que tivesse também a capacidade de submeter todos estes dados à análise matemática, poderia compactar numa mesma fórmula os movimentos dos maiores objetos do universo e aqueles dos menores átomos; nada seria incerto para ele, e o futuro assim como o passado estaria presente diante de seus olhos".

 

Assim, tanto o “gênio de Kardec” como o “gênio de Laplace”, ou Deus (Inteligência Suprema, qualquer que seja o nome que usemos) saberia com antecedência todas as coisas porque a causalidade só existe para seres limitados ou relativos como nós que ainda vivem necessitados da causa e do efeito para o entendimento de quaisquer eventos. Além disso, a encarnação nos limita a um Universo quadridimensional (segundo a teoria da Relatividade Geral, de Einstein, o tempo seria a quarta dimensão). Ou seja, fenômenos que ocorrem em uma suposta 5ª ou 6ª ou n dimensões nos seriam desconhecidos (pelo menos em parte, já que os fenômenos parapsicológicos e espíritas fazem supor que tais dimensões sejam de fato uma realidade!)

 

É provável que a Onisciência divina PROVER com antecedência a falência e a "aparente imperfeição das coisas", a conservação de grandezas físicas e "a ordem no caos", chamada na terminologia moderna de “caos determinístico”; Prover também se um Espírito falirá ou sempre seguirá um caminho reto, por exemplo. Assim é que a Inteligência Suprema cria, mas também mantém, utilizando-se de sua inerente Providência Divina eternamente atuante em tudo e em todos. Bastante diferente do que se acreditava ainda no final do século XIX e até em princípios do século XX, que o "Pai criador" teria gerado o Universo, criado suas leis (o software do hardware) e em seguida se retirado! Tudo, então, reduzindo-se à atuação de leis mecânicas que deterministicamente seguiriam seu curso implacável. (conforme um aforismo que diz que "Deus perdoaria sempre, o homem algumas vezes, mas a natureza não! Ela seria implacável e nunca perdoaria por seguir seu curso natural e eterno!").

 

Outra implicação filosófica: existiria então o Principio da livre Determinação Divina que exerceria sua atuação, restringindo o Principio de livre determinação espiritual (o “livre arbítrio nosso de cada dia”!).

 

 Infelizmente esta abordagem não é na atualidade compartilhada por todos os físicos! Na verdade há uma tese mais ousada e diferente sendo defendida por um físico brilhante naturalizado brasileiro e residente hoje no EUA chamado Marcelo Gleiser que segundo ele de tanto "labutar e pensar sobre uma Teoria de Tudo”, radicalizou, publicando o resultado de suas meditações em um livro (Criação Imperfeita - Cosmo, Vida e o Código Oculto da Natureza, editora Record, 2010) em que explora uma teoria demasiadamente oposta a tudo o que os físicos têm se debruçado em suas pesquisas.

 

Em poucas palavras, sua teoria é o análogo do aforismo chinês que diz: "Se Deus é perfeito porque em determinado momento ele teve necessidade de criar algo imperfeito?". Algo que realmente não se coaduna com uma natureza que apresenta inúmeras imperfeições.

Em suma, o que Gleiser defende? Deixemos que ele mesmo o diga:

 

"(...) a busca por uma Teoria de Tudo está fundamentalmente desorientada (...) Todas as evidencias apontam para um cenário no qual tudo emerge de imperfeições fundamentais, assimetrias primordiais na matéria e no tempo, acidentes cataclísmicos no início da vida na Terra e erros na duplicação do código genético. O desequilíbrio estimularia a Criação. Sem assimetrias e imperfeições não estaríamos aqui: o universo não teria nada além de radiação.

(...) Todo tipo de vida, em particular a inteligente, seria um acidente raro e precioso. A complexidade não planejada do ser humano é ainda mais bela por sua improbabilidade. É tempo de a Ciência deixar de lado a velha estética que diz que a perfeição é bonita e que sustenta que "a beleza é a verdade". É hora de olhar para o universo com novos olhos, abstraindo os séculos de bagagem monoteísta."

 

É quase como o que declara Kardec em sua obra quando diz: "A Onipotência divina estaria diminuída pelo fato de o Criador ter concebido leis, deixando-as seguir seu curso sem anulá-las para atender a caprichos, “milagres” ou coisas do tipo?".

Pela Revelação Espírita sabemos que suas leis são eternas como Ele o é, que não podemos imaginá-lo um segundo sequer inativo, sendo suas leis a sua "própria vontade onipotente"!

 

Diante do exposto, questionaro porquê daquele bebê morrer, sem nem chegar a nascer”, para mim, é como perguntar se é possível um Ser nascer sem alma, ou se seria possível o Espírito não ter tempo de retornar ao corpo para "sentir" o ultimo sopro de vida física em um grave acidente durante o sono, pois que ele (o Espírito) poderia encontrar o corpo morto (?).

 

E aí só podemos responder palidamente recorrendo à "lei de Causa e Efeito" compreendendo que os espíritos superiores não estavam referindo-se à 3ª Lei de Newton, mas a uma lei mais geral e universal que envolve toda a criação, já que a lei newtoniana refere-se tão somente à interação de corpos materiais; Lei também conhecida entre os hindus como Lei do Carma (negativo, resgate) seguida de sua antítese, lei do Darma (positivo, reabilitação).

 

Uma possível resposta seria:

 

-"A morte dessa criança pode ter muitos motivos: poderia, por exemplo, ter sido uma pessoa que tirou a vida de bebes no passado ou simplesmente alguém envolvido em um aborto que precisava passar pela mesma coisa que suas vítimas; pode ainda ter nascido (ou nem ter nascido) para cumprir uma "missão"; nascer (ou nem chegar a nascer) e morrer prematuramente para que a mãe ou o pai pudessem cumprir seus próprios Carmas; não há como fazer afirmações em um caso sem esbarrar em especulação’.

 

Seja lá como for, nada ocorre sem um propósito. Ou seja, tudo teria uma razão de ser.

 

Ou não, segundo Gleiser, Hawking, e tantos outros físicos que defendem que é a assimetria, a imperfeição, as responsáveis por algumas das propriedades mais básicas da Natureza: toda transformação que ocorre no mundo natural há de ser o resultado de alguma forma de desequilíbrio... E que a ordem universal é na realidade fruto da mente humana que quer que as coisas sejam assim regulares e ordeiras...

 

O campo fica aberto às cogitações. O fato é que uma resposta firme só teria consistência se pudéssemos abarcar o conjunto do contexto das vidas daquele ente que partiu naquelas condições, observando-se todas as variáveis locais e não-locais possíveis que conduziram àquele evento especifico. E com certeza, sob a ótica espírita, a Divindade as conhece! Senão como ficaria a razão de ser das grandes desencarnações coletivas em que tantos desencarnam, muitas vezes estranhos uns aos outros, mas que as "circunstancias" ou "os contextos" levaram cada qual a estarem juntos ali, naquele momento e instante fatídicos?