MASSA E ENERGIA

18/07/2012 01:01

 

 

A teoria exposta neste artigo requer do leitor noções de Física Moderna que não é de se esperar da maioria dos espíritas brasileiros. Serão suficientes apenas, creio eu, aos espíritas com certo nível de conhecimentos nesta área. Entretanto, pedimos aqui permissão aos amigos menos afeitos a estudos de Física Moderna e aos espíritas em geral que se interessarem pela leitura, que deem uma lida mesmo que superficialmente. Não se arrependerão! A leitura será amena, uma vez que não foi dada muita importância a demonstrações matemáticas, numa tentativa de tornar mais acessível aos leitores os conceitos científicos emitidos.

A relação E = mc2 apareceu num artigo publicado em 1905 por Einstein. Nesse artigo, Einstein considerou a perda de energia por um corpo pela emissão de radiação eletromagnética, perda essa observada em dois referenciais inerciais [1] e, como axiomas essenciais, considerou verdadeiros os princípios de conservação da energia e da quantidade de movimento (do qual deriva a lei de conservação da massa), concluindo que se um corpo perde uma quantidade de energia E por emissão de radiação eletromagnética, sua massa diminui de uma quantidade E/c2. Então, Einstein generalizou o argumento para todos os tipos de transferência de energia, concluindo que a massa de um corpo é uma medida do seu conteúdo energético.

É claro que se a massa de um corpo é uma medida do seu conteúdo energético e se existe uma transferência de massa sempre que existe uma correspondente transferência de energia, o princípio de conservação da energia inevitavelmente acarreta a lei de conservação da massa. Contudo, existe um engano largamente difundido sobre a interpretação dessa fórmula de Einstein. Ela é frequentemente interpretada como significando que massa e energia podem ser convertidas uma na outra, ou seja, que uma parte da massa de um corpo pode desaparecer se no processo surgir certa quantidade de energia. Então, massa e energia seriam grandezas não conservadas. Isto não é verdade. Massa é a medida da inércia de um corpo. Energia é a capacidade de realizar trabalho. O que Einstein mostrou e que está testado com grande precisão por um grande número de experimentos é que se um corpo ganha certa quantidade de energia E, sua massa (ou sua inércia) aumenta de uma quantidade equivalente a E/c2, onde c é a velocidade da luz no vácuo. E inversamente, se um corpo perde certa quantidade de energia E, sua massa (ou sua inércia) fica diminuída de uma quantidade equivalente a E/c2. Neste sentido, e apenas neste sentido, é conveniente dizer que massa e energia estão uma associada com a outra, ou que existe uma equivalência entre massa e energia.

 

Discussão de um exemplo

A noção de que massa pode ser transformada em energia e vice-versa é incorreta, porque implica na falsidade da lei de conservação da massa e do princípio de conservação da energia, considerados verdadeiros na dedução da equação E = mc2. Essa noção incorreta pode ter se originado de descrições pouco rigorosas dos processos nucleares onde é colocada ênfase (i) no fato de que a soma das massas de repouso dos fragmentos da fissão de um núcleo pesado tem um valor menor do que a massa de repouso do núcleo original, enquanto que uma grande quantidade de energia parece ter surgido do nada, energia essa que aparece nos fragmentos, como energia cinética, e na radiação eletromagnética emitida durante o processo; ou (ii) no fato de que a massa de repouso de um núcleo leve, resultante da fusão de alguns prótons e nêutrons, tem um valor menor do que o valor da soma das massas de repouso desses prótons e nêutrons livres, enquanto que uma grande quantidade de energia parece ter, também, surgido do nada, energia essa que aparece na radiação eletromagnética emitida no processo. Como exemplo, seja o processo de formação do dêuteron (d) a partir de um próton (p) e de um nêutron (n):

 

p + n -----------------   d + γ

 

A radiação γ emitida no processo tem cerca de 2,2 MeV de energia.

 

Uma análise incorreta consideraria que, como as massas de repouso do próton, do nêutron, do dêuteron e da radiação γ, em unidades de massa atômica (u), são respectivamente:

 

mp ~ 1,0071 u

mn ~ 1,0083 u

md ~ 2,0130 u

e

mγ ~ 0

 

esse processo envolveria o desaparecimento da quantidade de massa Δm dada por:

 

Δm = (mp + mn) – (md + mγ) ~ 0,0024 u

 

Assim, concluiríamos que, nesse processo, a massa não é conservada [2]. O erro dessa análise é não levar em conta a conclusão de Einstein, mencionada acima, de que se um corpo perde uma quantidade de energia E por emissão de radiação eletromagnética, sua massa diminui de uma quantidade E/c2 . Em outras palavras, à radiação eletromagnética de energia E se deve associar uma massa E/c2. Como:

 

1 MeV ~ 1,602 . 10– 13J

e

c ~ 2,998 . 108 m/s

 

temos que

 

E/c2 (2,2 MeV).(1,602.10 - 13) : (2,998.108 m/s)2 ~ 3,921 . 10 – 30 Kg

 

E como

 

1u ~ 1,661 . 10 – 27 Kg

 

então

 

E/c2 ~ (3,921.10-30).(1 u)  : (1,661.10-27) ~ 0,0024 u

 

Assim, levando-se em conta que a massa da radiação γ é, realmente, não nula, correspondendo a mγ = 0,0024 u, verifica-se que no processo em questão a massa total é conservada.

Fissão Nuclear

Um núcleo 235U (urânio, com 92 prótons e 143 nêutrons) absorve um nêutron de baixa energia cinética (nêutron térmico), formando um núcleo composto instável. Este núcleo composto se divide, então, em dois fragmentos principais, alguns nêutrons rápidos e radiação eletromagnética de alta frequência (radiação γ). A energia potencial associada à interação nuclear cresce durante o processo porque a soma das áreas superficiais dos fragmentos é maior que a área superficial do núcleo original, e parte da energia potencial de repulsão coulombiana decresce, transformando-se em energia cinética dos fragmentos (carregados positivamente). O crescimento da energia potencial nuclear é muito menor que o decréscimo da energia potencial de repulsão coulombiana, de modo que, no processo como um todo, existe primariamente a transformação de energia potencial em energia cinética. A energia liberada no processo de fissão é, portanto, a soma da energia cinética dos fragmentos principais e dos nêutrons rápidos com a energia da radiação γ. O princípio de conservação da energia não é violado no processo.

Por outro lado, a soma das massas de repouso do núcleo original e do nêutron térmico é maior que a soma das massas de repouso dos fragmentos principais e dos nêutrons rápidos. Mas nem por isso a massa total deixa de ser conservada no processo. Se um corpo ganha (ou perde) certa quantidade de energia E, sua massa aumenta (ou diminui) de uma quantidade igual a E/c2, de modo que a massa total de cada fragmento e de cada nêutron rápido não é apenas a sua massa de repouso, mas sim a soma dessa massa com a massa associada a sua energia. E mais, a radiação γ também tem uma massa E/c2 associada a sua energia E. Assim, dividindo-se a energia liberada no processo de fissão pelo quadrado da velocidade da luz no vácuo, obtém-se um valor para a massa associado a essa energia na quantidade exata para validar a lei de conservação da massa no processo em discussão. Existe, no processo, uma redução da massa de repouso, mas essa redução é compensada pelo aumento na massa associada à energia cinética dos fragmentos e nêutrons rápidos e à radiação γ. Portanto, a diminuição da massa de repouso não pode ser a fonte da energia liberada no processo de fissão considerado, isto é, não existe qualquer transformação de massa em energia.

Semântica

 

O termo massa, como usado na Física, significa inércia. Inércia é a propriedade pela qual um corpo tende a permanecer em repouso ou em movimento retilíneo uniforme, num referencial inercial, se a resultante das forças que sobre ele atuam é zero. Massa (ou inércia) é uma propriedade, um atributo do corpo. Massa não é uma “coisa” nem um tipo de substância. O termo energia, como usado na Física, significa, em poucas palavras, a capacidade de realizar trabalho. Energia também é uma propriedade, um atributo do corpo. Expressões como “energia pura” ou “energia radiante” não têm sentido. Energia não é, portanto, uma “coisa” nem um tipo de substância.

Dizer que massa e energia são equivalentes significa identificar a tendência de permanecer em repouso ou em movimento retilíneo uniforme com a propriedade de realizar trabalho. Na Física, isso não tem qualquer sentido.

Dizer que massa pode ser convertida em energia e justificar o dito com a equação E = mc2 é um ato tão legítimo quanto dizer que velocidade (v) pode ser convertida em quantidade de movimento (p) e justificar o dito com a equação p = mv. Na Física, isso não tem qualquer sentido. A afirmação de que massa pode ser convertida em energia envolve, talvez, a confusão entre os conceitos de massa e matéria, por um lado, e energia e radiação eletromagnética, por outro. Matéria é uma coisa, radiação eletromagnética é outra coisa. Assim, matéria pode ser convertida em radiação eletromagnética como acontece, por exemplo, no processo de aniquilação de uma partícula pela sua antipartícula, com o consequente aparecimento de radiação γ. O processo inverso também existe. Agora, embora seja verdade que matéria pode ser convertida em radiação eletromagnética e vice-versa, não é isso que a equação E = mc2 significa.

 

Conclusão

 

A melhor maneira de apreciar a conclusão de Einstein é entender que se um corpo ganha (ou perde) certa quantidade de energia E, sua massa aumenta (ou diminui) de uma quantidade igual a E/c2.

 


[1] Referenciais que estão em repouso ou que se movem um em relação ao outro com velocidade constante.

[2]  Em um livro de Física de Ensino médio, dos autores Beatriz Alvarenga e Antônio Máximo (2006), lê-se o seguinte: “Antes da teoria da relatividade acreditava-se na conservação da massa. Depois da equação de Einstein, percebeu-se a probabilidade de que em reações mais violentas poderia não ocorrer a conservação da massa, sendo, porém, preservadas a conservação da energia.”