UMA NOVA VISÃO DA REALIDADE: O PENSAMENTO SISTÊMICO

01/08/2012 23:33

 

"Ao término de um período de decadência sobrevêm o ponto de mutação. A luz poderosa que fora banida ressurge. Há movimento, mas este não é gerado pela força... O movimento é natural, surge espontaneamente. Por essa razão, a transformação do antigo torna-se fácil. O velho é descartado, e o novo ê introduzido. Ambas as medidas se harmonizam com o tempo, não resultando daí, portanto, nenhum dano."

 

(extraido do livro das mutações chinês, o I ching e citado por Capra em “O Ponto de Mutação”, 1980)


 

Bem antes de René Descartes (1596-1650)    1 o tempo não era mecânico. Mecânico eram as estações, a manhã, o acaso, o plantio, a colheita e até mesmo o Dia do Juízo Final! A bem da verdade, o Dia do Juízo era a razão primordial dos homens estarem vivos… "era o dia da libertação”!

O tempo era sagrado. Tocavam o sino de manhã e à noite... Claro, que com pequenas variações, mas o ritmo era tão diferente do ritmo dos nossos dias que fica difícil hoje imaginá-lo.

Quando olhamos o maquinário de um relógio antigo com suas engrenagens e pequenas peças conectadas e em funcionamento vemos a imagem precisa da primeira ruptura do homem com a natureza. Mas o relógio fez mais do que isso. Ele acabou se tornando o modelo de todo o Cosmos e a partir daí foi misturando-se, confundindo-se o modelo (o maquinário do relógio) com o próprio Cosmos (a realidade).

Os cientistas acharam que a natureza era só um grande relógio e não uma coisa “viva”, dinâmica e pulsante: apenas uma máquina...

Um sociólogo, um antropólogo, um economista ou um político de direita ou de esquerda possuem ideias antiquadas e mecânicas como de um funcionamento de um relógio. Mas de um relógio antigo, mecânico, cartesiano.

Como assim?

Para explicar, precisamos retroceder até Descartes…

Ele foi o primeiro arquiteto da visão de mundo como relógio. Uma visão mecanicista que domina especialmente os políticos! Tal como se a natureza funcionasse feito um relógio.

Você a desmonta, reduzindo-a a um monte de peças simples e fáceis de entender, de analisar e daí então passando a entender o todo. A tal “visão”, dita “mecanicista”, acabou por ser encarada como o próprio método científico para fazer ciência.

Mas não foi sempre assim. Não antes de Descartes.

Descartes quando introduziu isso, provocou uma ruptura revolucionária com a Igreja. Ele queria saber como o mundo funcionava sem a ajuda do Papa, uma vez que para Descartes, o mundo era só uma máquina. Ficou tão fascinado pela máquina do relógio que a fez como sua principal metáfora. Ele disse: "Vejo o corpo como nada mais que uma máquina. Um homem saudável é um relógio benfeito e um doente, um relógio malfeito”.

Hoje em dia parece meio primitivo, mas funciona com certa eficácia, ao ponto de os cientistas acreditarem que todos os seres vivos: plantas, animais e nós mesmos não passamos de máquinas. Mas seríamos apenas isso? Estaríamos reduzidos a meras máquinas? Entretanto, tal paradigma tomou conta de tudo: arte, política, sociologia, psicologia, medicina...

Mas houve Descartes de profundamente ter se enganado e fatalmente errado? Não, de maneira alguma! Não há nada de errado com ele. Descartes foi magnífico! Ele foi uma dádiva divina para o século XVII!

Mas os tempos mudaram.

É necessária e urgente uma nova maneira de entender a vida.

Tomemos como exemplo o pêndulo de um dos tipos de relógios antigos construídos pele engenho humano e que há bastante tempo foi substituído por um cristal de quartzo. Pensemos por um instante nas magníficas engrenagens que o punham em funcionamento meticulosamente feitas à mão. Foram transformadas num microchip do tamanho de uma unha!

A ciência já passou o pensamento mecanicista nesta proporção. Entretanto, os políticos e tantos outros cientistas sociais parecem ainda ter uma máquina de engrenagens antiga dentro de suas cabeças! Senão vejamos.

Tomemos outro exemplo: o problema da superpopulação.

Não poderá ser resolvido olhando as formas de contracepção isoladamente. Pesquisas demonstraram que o contraceptivo mais eficaz são ganhos econômicos e sociais que reduziriam as famílias grandes. No mundo todo, todo dia, 40 mil crianças morrem de desnutrição e doenças evitáveis, quase que a todo segundo. Tais vidas tão curtas não podem ser vistas isoladamente. São parte de um sistema maior que envolve a economia, o meio ambiente, e, sobretudo as grandes dívidas de países mais pobres: fardo dos empréstimos! E que não recaem sobre os quem tem contas no estrangeiro ou empresas, mas, sim, sobre os que já não têm nada!

Um presidente, certa vez, perguntou: "Crianças devem passar fome para pagarmos a dívida?" Tal pergunta foi respondida na prática, e a resposta foi "sim" porque, desde então, milhares de crianças da parte menos abastada do planeta deram a vida delas para pagar a dívida de seus países e outros milhões pagam os juros com corpos e mentes subnutridos.

No nosso país, por exemplo, homens destroem a floresta amazônica à razão de um campo de futebol por segundo! E para quê? Nem tempo para vender a madeira eles têm! Logo em seguida vão pondo fogo na floresta! E o desmatamento é uma das causas principais do efeito estufa na atmosfera. Enquanto isso, muitos países gastam fortunas na corrida armamentista!

Como podemos ver, não podemos mais olhar em separado os problemas globais tentando entendê-los e resolvê-los. Lógico que podemos consertar uma peça aqui outra ali, mas ela vai quebrar de novo em um segundo porque ignoramos o que se conectam a elas.

Precisamos mudar tudo de uma vez, ao mesmo tempo: os ideais, as instituições, os valores... Certo é que temos ferramentas para lidar com vários problemas mesmo os mais complexos: comunicações, banco de dados, tecnologia e tantas outras, mas não será verdade que todas essas novas tecnologias parecem causar mais problemas do que os resolvem?

A medicina, por exemplo, avançou espantosamente em tecnologia, mas o custo subiu igualmente. Tornou-se medicina para ricos. E a saúde pública não melhorou muito, embora pudesse melhorar se apenas mudássemos nossos hábitos alimentares. Em vez disso, especialistas pensam em corações artificiais... Se nossa agricultura nos alimentasse melhor, em vez de desmatarmos a Amazônia para criar gado que tem carne vermelha, que é uma das causas dos enfartes, talvez não gastássemos tanto dinheiro com corações artificiais!

As mudanças e transformações para melhor surgirão se mudarmos nossa maneira de ver o mundo. Ainda estamos a procurar a peça certa para consertar primeiro. Não percebemos que todos os problemas são fragmentos de uma só crise, uma crise de percepção.

Mas muitos podem argumentar que uma crise de percepção seria algo meio abstrato. E porque todas essas críticas, por exemplo, em relação à medicina moderna? A medicina “mecanicista” não tem tido sucesso? Diria que até certo ponto. Ora, a medicina simplesmente bloqueia os mecanismos da doença. Isso não é curar. É como na política: Mudam-se apenas os problemas de um lugar para outro.

Exemplifiquemos. Imaginemos uma pessoa que vai ao médico com ataque de cálculos nos rins. O médico extrai os cálculos renais e... Milagre! A dor vai embora! Não é um fato que o paciente não sente mais dor, e o “relógio” continua a andar? Não é a demonstração de que o modelo de percepção funcionou?

Mas argumentamos: será mesmo que tudo que funciona é bom para um sistema?

Pode-se dizer que o modelo de percepção do médico é pobre e que ele só se concentrou numa parte do “relógio” e a removeu. Ela foi extraída, e a dor se foi, mas e a tensão que causou o problema? Se ela ainda existir o homem ficará doente de novo. Se ele tivesse mudado sua alimentação antes e feito exercícios, nunca teria ficado com “pedras” nos rins! Tal educação seria mais barata que a cirurgia. E menos dolorosa.

Mas os sistemas não encorajam a prevenção, só a intervenção.

Longe de mim aqui querer condenar o pensamento de Descartes. Estou ao invés disso reconhecendo as limitações de sua concepção. Ver o mundo como máquina pode ter sido útil por 300 anos, mas esta percepção, hoje, além de errada, é na verdade nociva. Precisamos de uma nova visão de mundo. Todos sabem que hoje podemos sumir com o apertar de um botão! E fora isso, estamos sujando cada metro de terra, água e ar. A água que parece limpa, não é na verdade. Nada mais o é.

Ainda por aquela época, quase ao mesmo tempo, veremos Francis Bacon (1561-1626)2 julgando bruxas no reinado de Jaime I (1566-1625)3 num período em que mulheres eram torturadas por usarem medicina popular, adorar deusas pré-cristãs ou somente por serem estranhas.

Não acho que Bacon tenha usado metáforas ao escrever que a natureza devia ser caçada e posta para trabalhar escravizada; e, além disso, que os cientistas com seus aparelhos deviam torturá-la para obter seus segredos. Não há algo tanto quanto notável na forma como ele se refere à “mãe natureza”, semelhante a uma mulher? Como se ela não passasse de uma bruxa?

Ora, o que fez a ciência moderna, a tecnologia, os negócios, senão o que Bacon sugeriu: torturar o nosso planeta? Não é a velha “ideia patriarcal” do homem dominando tudo?

Dois grandes princípios coexistem em todo ser vivo. São eles: o masculino, que é dominador, agressivo, seja lá o que for; e o feminino, que é nutriente, gentil, seja lá o que for! Tais princípios costumavam estar equilibrados e agora o homem criou ferramentas e armas físicas e intelectuais para desequilibrá-los completamente! Foram dadas ferramentas “mecanicistas” a pessoas sedentas de poder! E os homens perderam o controle! Não poderíamos agora dar uma chance ao outro princípio, oposto e complementar ao masculino?

 

O “pensamento cartesiano” em oposição ao conceito de teia de relações

 

Um novo modo de ver as coisas diante da crise de percepção é pensar de maneira ecológica que simplesmente faz mais sentido, dando uma compreensão mais consistente e firme da realidade.

Saber é poder?

Sim, mas no sentido de poder pessoal e não do velho impulso masculino de ter poder sobre outros.

Descartes tinha um sonho, mas foi Isaac Newton (1643-1727)4, na verdade, que o concretizou transformando-o em teoria científica e em poder. E Newton foi venerado quase como um deus! Ele reduziu todo fenômeno físico ao movimento de partículas causado pela força da gravidade, descrevendo a ação gravitacional em qualquer objeto com equações precisas: as chamadas hoje de Leis do movimento de Newton: o maior feito da ciência do século XVIII.

As leis de Newton poderiam ser utilizadas para explicar quaisquer movimentos, desde uma curva balística até círculos concêntricos na água. Era um feito tão incrível para a época, que as leis de Newton logo foram adotadas como a teoria correta da realidade, as leis finais da natureza! O sonho cartesiano do mundo como uma máquina perfeita tornara-se um fato consumado. Isto trouxe, é certo, inúmeros benefícios às pessoas. Elas podiam fazer coisas com as quais nem sonhavam antes. Era irresistível... a velha noção do mundo como um “ser vivo” sumia do mapa.

Mas muitos problemas com o tempo tornaram-se impossíveis de serem resolvidos tão somente com as Leis de Newton. Um deles era em torno da luz. O que era a Luz? Qual sua natureza? Os físicos indagavam. A natureza da luz tornara-se uma obsessão. Nenhum deles conseguia entender, por exemplo, como a luz do sol alcançava a Terra.

Para entendê-la, era preciso saber o que compunha a matéria. Newton achava que era uma “pequena partícula sólida” que compunha a matéria, mas não foi o que os cientistas viram ou “enxergaram” quando “observaram” o átomo pela primeira vez. O que eles viram foi totalmente inesperado e chocante: havia “coisas” ainda menores formando um núcleo com elétrons girando em volta. E não só isso. As partículas chamadas elétrons se movimentavam em regiões relativamente vastas de “espaço vazio”. E em realidade foi isto que mais chocou os cientistas.

O átomo é feito, basicamente, de “espaço vazio” ou vácuo. E isso é difícil de mentalizar ou visualizar. O tamanho de um átomo é tão distante de nossa noção normal de proporção que é muito difícil perceber os tamanhos e distâncias relativos de suas partículas subatômicas. Quantos átomos há, por exemplo, numa laranja? Para responder, teríamos de aumentar a laranja até podermos vê-los de uma maneira que ela ficasse do tamanho da Terra. Os átomos dela, então, ficariam do tamanho de cerejas! Miríades de cerejas, estreitamente contidas dentro de uma laranja do tamanho da Terra!

E o núcleo? Invisível é a resposta! Comparando o átomo a uma bola de futebol, o núcleo ainda assim continuaria invisível. Se comparássemos o átomo a um campo de futebol tal como o maracanã, o núcleo seria uma bolinha de golfe no centro do gramado e as últimas arquibancadas do estádio corresponderiam à nuvem de elétrons orbitando o núcleo! Estando todo o espaço entre os elétrons e o núcleo vazio!

Mas diante de tanto “vazio” na intimidade da matéria como explicar a solidez de uma rocha? Porque não podemos atravessá-la? Por que não caímos por entre esses vazios? Por que tudo não cai através de tudo? Essa uma pergunta óbvia que os físicos se propuseram.

Para encontrar uma solução basta que recordemos que todos os conceitos newtonianos baseavam-se em “coisas” que podiam ser vistas ou ao menos visualizadas. Ora, o que os físicos estavam descobrindo neste mundo estranho e novo eram conceitos que não podiam mais ser visualizados. Ao se depararem com os absurdos fenômenos da física atômica tiveram de admitir que não tinham uma linguagem, nem mesmo uma forma adequada de pensar nas novas descobertas. Foram obrigados a pensar em conceitos radicalmente novos. Para entender por que a matéria é tão sólida precisaram desafiar até as ideias convencionais sobre a existência da matéria e após muitos anos de frustrações tiveram que admitir que a matéria não existe com certeza e em lugares definidos, mas sim mostra tendências a existir.

Suponhamos observar um elétron. Não podemos dizer que ele está num lugar definido,

mas apenas que tem tendência a estar em um lugar: aqui ou ali, à esquerda, ou à direita. Em linguagem científica, não falamos em tendências, falamos em probabilidades.

O estranho é que, quando se mede algo num elétron ele está num determinado lugar, mas entre duas medições, não se pode dizer que está num lugar ou que percorreu um caminho definido de um lugar a outro. Um elétron não se mexe, nem fica parado num mesmo lugar. Ele se manifesta como um padrão de probabilidades espalhado pelo espaço, e a forma deste padrão muda com o tempo, o que para a percepção humana pode parecer movimento. A melhor imagem seria visualizá-lo espalhado numa vasta região podendo “coagular” num pequeno ponto quando medido ou “observado” por algum tipo de instrumento.

Todas as partículas subatômicas, sejam elas elétrons, prótons ou nêutrons manifestam essa estranha existência entre potencialidade e realidade. Assim é que no nível subatômico não há objetos sólidos. Mas como podem existir objetos sólidos em qualquer nível? Perguntaríamos. Isso é o mais incrível. Essa simples pergunta, vai além do poder da imaginação. Visualizar é impossível. Não há metáforas possíveis, apenas através de equações matemáticas há uma possibilidade de “visualização”.

Tomemos um átomo de silício que possui 14 elétrons. Os padrões de probabilidades destes elétrons dispõem-se como conchas ao redor do núcleo cada uma contendo alguns elétrons. Dentro das conchas eles estão em todo lugar ao mesmo tempo, mas os padrões em forma de conchas são muito estáveis e muito difíceis de ser comprimidos. O que torna a matéria sólida. Logo, a matéria é sólida porque padrões de probabilidade são difíceis de ser comprimidos.

No novo pensamento tal imagem vem sendo aplicada aos aspectos relacionados com a vida. A vida seria um monte de padrões de probabilidades, não de “coisas”, mas de conexões.

Com relação à matéria tendemos a ver as partículas como pequenas “bolas de bilhar” ou grãos de areia, mas para os físicos, elas não têm existência independente. Uma partícula é, essencialmente, um conjunto de relações que se estendem para se conectarem a outras “coisas”. Coisas que são conexões de outras coisas mais que também são conexões e assim por diante.

Na física atômica, nunca se tem objetos. A natureza essencial da matéria não está nos objetos, mas nas conexões. Todos nós conhecemos o acorde, a mais básica das harmonias. Carrega consigo um clima próprio, não? Pois bem, suas ondas, isoladas não carregam nada. Portanto, a essência do acorde está nas relações. Relações entre duração e frequências que juntas compõe a melodia. Tais como as relações que formam a matéria. “Música das esferas”, como Kepler (1571-1630)5 dizia!

Esta visão do universo feito de harmonias de sons e relações não é, portanto, uma descoberta nova. Os físicos estão apenas provando que o que chamamos de objeto, seja o átomo, sejam moléculas ou partículas, constituem somente uma aproximação, uma metáfora. No nível subatômico, ela se dissolve por assim dizer numa série de conexões.

No nível subatômico, há uma troca contínua de matéria e energia, entre minha mão e os objetos que toco, entre a madeira e o ar e até entre nós e todos os seres que nos rodeiam. Uma troca real de fótons e elétrons. No fim das contas, gostemos ou não, somos todos parte de uma teia inseparável de relações.

Mas chegado a este nível de entendimento uma pergunta poderia surgir: como tudo isso explica a luz? Sim, finalmente a luz. A luz não precisa de um meio porque embora viaje como onda, também viaja como partícula. A luz é tanto partícula quanto onda. Porém com um detalhe significativo: as partículas de luz que chamamos de fótons são muito especiais. Diferentes de outras, elas nunca ficam paradas, nem acelerando e tampouco desacelerando, sempre viajando na mesma velocidade: a velocidade da luz. Como onda, da mesma maneira: as ondas de luz não são ondas comuns, como as ondas na água, mas padrões abstratos de probabilidades que viajam na forma de ondas. Ou seja, padrões de relações como tudo o mais é.

E assim como a luz, muitas outras partículas de alta energia como os raios cósmicos que bombardeiam a Terra. Todas estas partículas, colidindo com o ar e criando mais partículas, interagindo umas com as outras e criando ou destruindo outras partículas, estando todos nós mergulhados em meio a esta espécie de “dança cósmica” de criação e destruição, todo o tempo; tal como na imagem de Shiva, o deus hindu da dança que segundo os hindus creem, a dança deste deus sustenta o universo; que a dança dele é no universo, um fluxo contínuo de energia passando por infinitos padrões que se dissolvem uns nos outros.

 

O “pensamento ecológico” e a Teoria dos Sistemas

 

Enquanto continuarmos a ver as coisas nessa velha ótica patriarcal-cartesiana-newtoniana, deixaremos de ver como o mundo realmente é. Precisamos de uma nova visão do mundo e de uma ciência mais abrangente para nos apoiar.

Há uma teoria que coloca todas as ideias ecológicas numa estrutura científica, coesa e coerente chamada de teoria dos sistemas vivos.

Todos os seres vivos bem como os sistemas sociais e os ecossistemas estariam nela incluídos. Esta teoria ajudaria muito na compreensão das ciências que lidam com a vida. Muitos cientistas, incluindo alguns prêmios Nobel têm trabalhado nestas ideias. Prygogine (1917-2003)6, Bateson (1904-1980)7, Maturana (na década de 1970)8 só para mencionar alguns.

Em vez de se concentrar nos blocos básicos, a teoria dos sistemas pensa nos princípios de organização; Em vez de “picotar” as coisas, ela olha para os sistemas vivos como um todo.

O que há de útil nessa teoria holística?

Um cartesiano olharia para uma árvore e a dissecaria, mas aí ele jamais entenderia a natureza da árvore. Um pensador de sistemas (ou sistêmico) veria as trocas sazonais entre a árvore e a terra, entre a terra e o céu. Ele veria o ciclo anual que é como uma “gigantesca respiração” que a Terra realiza com suas florestas, dando-nos o oxigênio: o sopro da vida, ligando a Terra ao céu e nós, ao universo. Um pensador de sistemas veria, além disso, a vida da árvore somente em relação à vida de toda a floresta; veria a árvore como o hábitat de pássaros, o lar de insetos.

Diferentemente, tentando entender a árvore como algo isolado ficaria aquele homem, intrigado com os milhões de frutos que produz na vida, pois só uma ou duas árvores resultarão deles. Mas se você vir a árvore como um membro de um sistema vivo maior, tal abundância de frutos fará sentido, pois centenas de animais e aves sobreviverão graças a eles. Isso se chama no novo paradigma: Interdependência. A árvore também não sobrevive sozinha. Para tirar água do solo, precisa dos fungos que crescem na raiz; O fungo precisa da raiz e a raiz precisa do fungo. Se um morrer, o outro morre também. Existem milhões de relações como esta no mundo, cada uma envolvendo uma interdependência.

A teoria dos sistemas reconhece esta teoria de relações como a essência de todas as coisas vivas. Só um desinformado chamaria tal noção de ingênua ou romântica porque a dependência comum a todos nós é um fato científico. Uma teia de relações, constituindo ela, a própria teia da vida.

A teoria dos sistemas realmente dá o perfil de uma resposta àquela questão eterna: o que é a vida? Na linguagem dos sistemas, a resposta seria que a essência da vida é a auto-organização. A vida é auto-organizadora e isso é extraordinário! Significa que um sistema vivo se mantém, se renova e se transcende sozinho. Ou seja, um sistema vivo, embora dependa do ambiente não é determinado por ele.

Nós, seres humanos, por exemplo, como todo ser vivo, nos renovamos sempre em ciclos contínuos e bem mais rápido do que podemos imaginar. Por exemplo, o pâncreas. O pâncreas substitui a maior parte de suas células a cada 24 horas! Acordamos com um pâncreas novo todo dia e uma nova mucosa gástrica também; Nossa pele descama à razão de milhares de células por minutos. A maior parte do pó em nossas casas é composta de pele morta. Mas ao mesmo tempo, igual número se divide e forma uma nova pele.

Assim é como a vida se renova. Como Heráclito podemos dizer que é “impossível pisar no mesmo rio duas vezes”. Será que apertaríamos a mesma mão de um colega por duas vezes? A resposta seria “sim e não”. Por que embora as células sejam trocadas, reconhecemos um ao outro porque o padrão de nossa organização continua o mesmo. Esta é uma das características importantes da vida: mudança estrutural contínua, mas estabilidade nos padrões de organização do sistema.  

Mas é importante reiterar que a teoria é muito mais abrangente. Assim, a auto-organização não consiste apenas nos sistemas vivos se manterem e se renovarem continuamente. Significa também que eles têm uma tendência a se transcenderem, a se estenderem e a criarem novas formas: A dinâmica evolutiva básica não é a adaptação, é a criatividade. A criatividade é um elemento básico da evolução. Cada organismo vivo tem potencial para a criatividade, para surpreender e transcender a si mesmo, desenvolvendo, inclusive, beleza. Logo, evolução é muito mais do que a adaptação ao meio ambiente. Ora, o que é o meio ambiente senão um sistema vivo que evolui e se adapta criativamente?

Então quem se adapta a quem? Um se adapta ao outro. Eles co-evoluem. A evolução é uma dança em progresso ou um diálogo em progresso. Somos sistemas e o planeta também. Não evoluímos no planeta, evoluímos como o planeta.

Neste contexto, o que a teoria de sistemas tem a esclarecer-nos acerca da energia nuclear? O que fazer com os detritos radioativos? A questão central é a busca obsessiva do crescimento! Isso precisa parar. Um crescimento que tornou-se obsessivo, patológico, destrutivo… Mas como fazer as pessoas tomarem partido? O que fazer? Por onde começar?

A resposta provavelmente esteja na importância que dermos à próxima geração e à seguinte. Pensemos apenas no fato horripilante de estarmos deixando para nossos filhos o mais venenoso dos detritos: o plutônio! Ele continuará venenoso até a próxima geração, e a seguinte e de fato, continuará venenoso por meio milhão de anos!

Precisamos de uma sociedade sustentável em que nossas necessidades sejam satisfeitas sem diminuir as possibilidades da próxima geração.

 

Novo paradigma?

 

"Tu perguntas o que a lagosta tece lá embaixo

com seus pés dourados. Respondo que o oceano sabe.

 

E por quem a medusa espera em sua veste transparente?

Está esperando pelo tempo, como tu.

 

Quem as algas apertam em seu abraço…' perguntas

mais firme que uma hora e um mar certos?' Eu sei.

 

Perguntas sobre a presa branca do narval

e eu respondo contando como o unicórnio do mar, arpoado, morre.

 

Perguntas sobre as plumas do rei-pescador

que vibram nas puras primaveras dos mares do sul.

 

Quero te contar que o oceano sabe isto: que a vida

em seus estojos de jóias, é infinita como a areia

incontável; pura; e o tempo,entre as uvas cor de sangue

tornou a pedra dura e lisa, encheu a água-viva de luz

desfez o seu nó, soltou seus fios musicais

de uma cornucópia feita de infinita madrepérola.

 

Sou só a rede vazia diante dos olhos humanos na escuridão

e de dedos habituados à longitude do tímido globo de uma laranja.

 

Caminho, como tu, investigando a estrela sem fim

e em minha rede, durante a noite, acordo nu.

 

A única coisa capturada…

é um peixe

‘preso dentro do vento.’”9

 

Pablo Neruda (1904-1973)10, poeta chileno.

 

Esse poema não nos lembra algo?

"Investigando a estrela sem fim"?

Não é, acaso, o que a Ciência faz?

"E em minha rede acordo nu."

Também os cientistas não jogam a sua rede nesses lugares distantes da física quântica e da teoria de sistemas e não acabam eles por capturar de novo, senão a si mesmos?

Como um peixe preso dentro do vento.

E as pessoas? Como elas ficam implicadas nesta teoria? Aquelas que amamos, como ficam? Seriam também como peixes presos dentro do vento?

Onde é o nosso lugar lá dentro, o das pessoas reais, com suas qualidades, desejos, fraquezas? Os cientistas poderiam nos dizer quais as metáforas para a vida, sejam microchips ou relógios?

Sinto-me reduzido sendo chamado de sistema, tanto quanto ao ser chamado de relógio!

A vida, temos de concordar, não é condensável assim.

Um grupo de pessoas usa certas palavras para mudar o mundo, aí outros chegam com outras palavras para mudá-lo, mas não importa! Ao final não dará no mesmo? É tal como as estações do ano a mudar.

Lembremos que a vida sente a si mesma. A vida é infinitamente mais que as nossas obtusas teorias a respeito dela.

Sentir o universo é um trabalho interior!

 

Referências numeradas

 

[1] pt.wikipedia.org/wiki/Ren%C3%A9_Descartes

[2] pt.wikipedia.org/wiki/Francis_Bacon

[3] pt.wikipedia.org/wiki/Jaime_I_de_Inglaterra

[4] pt.wikipedia.org/wiki/Isaac_Newton

[5] pt.wikipedia.org/wiki/Johannes_Kepler

[6] pt.wikipedia.org/wiki/Ilya_Prigogine

[7] pt.wikipedia.org/wiki/Gregory_Bateson

[8] www.inf.ufsc.br/~a.c.mariani/autopoiese/maturana-edla.html

[9] pensador.uol.com.br/frase/MTc5MTc3/

[10] pt.wikipedia.org/wiki/Pablo_Neruda