OS MÉTODOS CIENTÍFICOS E A CIÊNCIA ESPÍRITA

20/04/2012 16:17

 

Os fundamentos da origem do Espiritismo partem de um contexto particular em que estava inserida a pesquisa científica na época em que ocorreram as primeiras manifestações ostensivas espirituais. Com isso, podemos dizer que a “permissão divina” para a manifestação dos Espíritos para que ocorresse uma revolução nas idéias religiosas não foi um fato isolado, mas estava conforme ao progresso então alcançado pelo homem naquele período. Pela História do Espiritismo tal período está assinalado e é visto com intensidade maior a partir de 1848.


De acordo com alguns cientistas e filósofos, só é possível trabalhar a Ciência por meio de um método científico rigoroso ou, pelo menos, um método que se aproxime de ser infalível, sem erros ou enganos. Mas será que essa forma de pensar é seguida ao pé da letra?

 

Hoje, um dos objetivos da Filosofia da Ciência é desenvolver estudos e critérios para avaliar o grau de certeza do conhecimento científico. Essa área de estudo, que reflete sobre a natureza, os procedimentos, a evolução e os limites do conhecimento é chamada Epistemologia. Para ampliar a compreensão sobre esse assunto é necessário realizar uma análise de algumas formas de raciocínio que dão suporte à pesquisa científica.


Essa análise pode começar a partir do filósofo inglês Francis Bacon (1561-1626) que introduziu no mundo uma corrente filosófica apoiada na indução. E é aqui que vemos onde a pesquisa científica da Ciência Espírita está fundamentada. Onde o seu contexto.

 

Aquele filósofo utiliza-se da idéia de que a verdadeira investigação científica se processa por meio de algumas etapas fundamentais: OBSERVAÇÃO, GENERALIZAÇÃO (que seria a indução), FORMULAÇÃO DE LEIS e CONFIRMAÇÃO DESSAS LEIS.


A indução é um raciocínio que do particular (fatos observados) vai em direção ao geral (leis e teorias). Por exemplo, concluir que o Sol sempre vai nascer, dia após dia, é obter uma conclusão por indução, visto que você sempre o observou em todos os dias anteriores. Do fato, você foi capaz de obter uma lei. Essa conclusão não é lógica, mas é óbvia, visto que se repetiu milhares de vezes. Ou ainda, de nossa experiência, sabemos que, quando chove, todo o bairro fica molhado. Se o bairro está molhado pode-se concluir que choveu. Note que, nesses exemplos, não podemos de fato demonstrar que o Sol voltará a nascer ou que choveu. Assim, podemos concluir, que a indução necessita de informações sobre os fatos e fica sujeita a um novo acontecimento ou fenômeno.

 

Fica evidente que Kardec em sua investigação usou a indução para estudar os fenômenos espirituais e mediúnicos. Era o método utilizado pelas Ciências naquela época, fruto do iluminismo, positivismo e racionalismo desenvolvidos a partir do determinismo que em poucas palavras descreve a natureza como uma “máquina” previsível e regulada por leis universais. Kardec observava, induzia, formulava a lei com a ajuda dos espíritos superiores, confirmando-as através do “controle universal” em que Kardec submetia as teorias esboçadas à apreciação de diversas outras entidades mediante outros tantos médiuns quando surgia a oportunidade.

 

A dedução, ao contrário da indução, parte do geral (leis e teorias) e chega ao particular (explicação dos fatos). O dedutivismo foi muito difundido na ciência medieval e garantia rigor às conclusões.


Por exemplo, lembremos do teorema de Pitágoras: “o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos”. Esse teorema foi demonstrado e pode ser verificado pra tosos os triângulos retângulos. Caso não se aplique a um deles, não é o teorema que é inválido, mas o elemento geométrico que não constitui um triângulo retângulo.


Com relação à afirmação “quando chove, todo o bairro fica molhado”, se estiver chovendo, podemos deduzir que o bairro ficará molhado. Essa afirmação sempre é válida, ao contrário da construção indutiva, segundo a qual, pela observação do bairro molhado, induz-se que choveu, pois pode de fato ter chovido, mas pode também ter acontecido algo muito engraçado, como água lançada por extraterrestres lavar o local. Mas como esse fato nunca foi observado, não podemos concluir que foi isso o que aconteceu. Devemos lembrar que a indução está sempre sujeita a novos fatos.

 

Mas os métodos científicos avançaram e outros filósofos propuseram outras maneiras de investigar os fenômenos naturais. Na verdade, os métodos desenvolvidos nos séculos anteriores receberam inúmeras críticas porque para alguns, as afirmações científicas dificilmente seriam comprovadas como verdadeiras, o que deixava vulnerável o conhecimento científico e, para outros, mais céticos, tanto os dogmas religiosos como os conhecimentos produzidos pela Ciência se aproximaram e seriam tudo uma questão de fé.


Essa forma de entender a investigação dos fenômenos favoreceu a produção de novas idéias e de outra posição filosófica, denominada FALSEAMENTO ou FALSIFICACIONISMO.


Um dos mais brilhantes filósofos, expoente deste método, foi Karl Popper (1902-1994) que divulgou a concepção de que em Ciência, não é a busca pela verificação de sentenças básicas que deve prevalecer, e sim a tentativa de falseá-la. Tal idéia propõe que o ser humano pode formular hipóteses, mas não tem condições de saber se são verdadeiras. É possível tentar falsear uma teoria ou confirmá-la várias vezes, porém isso não assegura que ela seja verdadeira. Tomemos como exemplo a teoria newtoniana, inúmeras vezes confirmada, e, mesmo assim, superada pela teoria da relatividade de Einstein, que se mostrou “mais verdadeira” em determinadas condições.

 

Em síntese, podemos concluir que as diferentes correntes filosóficas vistas até então no cenário da comunidade científica observam a natureza para elaborar afirmações científicas; porém, enquanto uns repetem várias vezes a observação e os experimentos para verificar a validade de uma afirmação, outros fazem uso destes para avaliar se uma afirmação é falsa.

 

Mas com a sofisticação cada vez mais rigorosa da técnica e dos meios tecnológicos ao alcance da humanidade essas posições filosóficas por sua vez também receberam críticas, principalmente por não levarem em consideração que, na observação dos fenômenos, já preestabelecemos o que se pretende observar. Por exemplo, ao apontar um telescópio para uma estrela a fim de captar e analisar a luz emitida por ela, já se está pressupondo diversos conceitos da estrutura estelar, que são justamente os conceitos que queremos estudar.

 

Dessa forma, podemos dizer, que a Ciência, nos dias que correm, pode ser entendida como uma produção da mente humana, contrariamente à idéia de que seria construída diretamente da observação da natureza.

 

Um fato recente que corroboraria tal afirmação ocorreu durante a Assembléia da União Astronômica Internacional, de 2006, na qual os astrônomos decidiram pela reclassificação de Plutão em planeta anão, mostrando que a Ciência é, em parte, construída por convenções e decisões humanas.

 

Ora, a Ciência Espírita acompanhando o progresso da Ciência como mesmo escreveu Kardec, ainda em 1868, deve então seguir os métodos modernos de investigação científica para avançar nas pesquisas. Não dizemos isso em relação ao corpo doutrinário propriamente dito, porque este está plenamente constituído, mas sim, no que diz respeito aos métodos de pesquisa e investigação dos fenômenos mediúnicos que nos põem em contato com a realidade do Espírito.

 

É evidente que, para o entendimento de qualquer doutrina, não podemos desprezar o estudo do contexto em que nasceu. As influências do espírito da época se fazem sempre sentir. Mas podemos também inverter essa visão, dizendo que uma determinada doutrina sintetiza a melhor contribuição daquele período histórico à humanidade. Essa leitura só pode ser feita, se tivermos como pressuposto de que há um desenvolvimento no pensamento humano e de que há verdades que estão além do momento histórico – pressuposto aceito no século XIX, mas negado sobretudo a partir da segunda metade do século XX, na desconstrução que os pós-modernos fizeram de todas as verdades como vimos linhas acima.


Para tratar do aspecto científico do pensamento de Kardec, teremos de estabelecer um diálogo entre ele e os positivistas de seu tempo, mas também com os pós-modernos de nossos dias, para testar a validade do espiritismo no mundo contemporâneo.


Entretanto, podemos adiantar que o pensamento de Kardec era de vanguarda e estava avançado no tempo, já que pretendeu ter evidenciado a existência do Espírito pela observação empírica dos fenômenos mediúnicos, não se valendo dos moldes científicos de sua época, mas propondo uma nova forma de Ciência.